domingo, 1 de março de 2015

Vergonha de competir pelo Brasil

"A notícia não repercutiu, talvez por se tratar de um esporte que ninguém dá bola. Mas eu chorei ao ver o depoimento da esgrimista Élora Ugo Pattaro, explicando por que desistiu da preparação para a Rio-2016. Sem apoio, sem patrocínio, ela fala de corrupção, de humilhação e diz ter vergonha de competir pelo Brasil.

Não é novidade que o único esporte que recebe dinheiro de verdade no pais é o futebol. Claro que há atletas vivendo bem de modalidades onde o Brasil se destaca, como o vôlei e a natação. Mas estamos falando de quantos? Pouca gente.

Há casos individuais, como o de Gabriel Medina, que chegou ao topo graças a ele mesmo. Na cola de suas vitórias vieram mais e mais empresas querendo seu nome no boné ou na prancha do surfista. Mas pra cada Gabriel Medina há milhares de Éloras jogando a toalha.

Élora é o retrato da maioria. Alguns devem dizer: quem mandou escolher esgrima? Tênis de mesa? Nado sincronizado? Não terá apoio mesmo. Como se talento e aptidão pudessem ser direcionados.

Élora não tem culpa de ter se dado bem com um sabre. Élora também não tem culpa de ter nascido no Brasil. Élora não tem culpa de nada, mas está sendo penalizada por tudo isso. Por ser esgrimista num país como o Brasil. Aqui quem vence vira herói. Tem que ser herói mesmo para não desistir.

Sinto pena de Élora e de tantos outros que se perdem por falta de apoio do governo, de patrocínio das empresas, por causa de gente bandida que mete no bolso o escasso dinheiro que deveria servir ao esporte.

Já vi atletas serem criticados, chamados de vendidos, vira-casacas por trocarem de nacionalidade e defenderem outros países. Não pode, certo? Talento brazuca! Tem que honrar a camisa! Cadê o patriotismo? Gente, ninguém paga conta com patriotismo. Não dá para honrar a camisa sem apoio e dindim no banco. Ser atleta custa caro.

Melhor ser "vendido", bem-sucedido, a ser patriota fracassado. "Vender" o passaporte para outro país nada mais é do que absoluta gratidão financeira e emocional pelo que essas pátrias adotadas fazem. Dão mais do que casa, comida e roupa lavada. Dão condições para que uma pessoa viva do seu talento. No Brasil, parece que é pedir demais.

Ir embora é difícil. Tem que ter colhão para pegar a chuteira, a toca, a raquete, a mala e a cuia e fincar bandeira em um país. Fizeram bem jogadores de futebol, como Diego Costa, que hoje está na Espanha, e Thiago Motta, que virou cidadão italiano. Há brasileiros no polo aquático e no judô, adotados por outros países. Certos, eles.

Élora, eu também teria vergonha. Eu também tenho vergonha de como o esporte é tratado aqui. E se tivesse algum talento já teria me vendido para outro país que valorizasse o que tenho de melhor."

(Mariliz Pereira Jorge, em Folha de São Paulo 28/2/15)


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